Bairrada Radical vs Bairrada Incremental

Aqui na Bairrada – Anadia, 14 e 15 de Setembro.

Vi de tudo um pouco, vi um espaço bem idealizado e bem concretizado, vi um novo símbolo para a região que, puxa para o feio. Vi as bancas dos produtores com uma lona a imitar mármore, sem que eu saiba ainda de onde vem o mármore bairradino. Vi pouca gente, vi um dinamismo pobre que não espelha o que de melhor há na região, vi alguma dificuldade em reunir interessados para as apresentações de novidades vínicas e vi alguns produtores a falar para muito poucos.

Há uns tempos fiz um texto: A minha terra era piada, agora é adorada. A Bairrada é moda em Lisboa, no Porto e em mais algumas cidades do mundo onde se procura sedução pela diferenciação. Mas a Bairrada não é moda dentro da sua casa. Se fosse, a feira teria causado outro impacto a quem lá foi.

As modas têm prazo de validade, para manter uma moda é preciso ir mudando e melhorando. A continuar assim, esta moda da Bairrada pode esmorecer mais rápido do que se pensa.

Só os tolos não mudam, todos precisamos de mudança, a mudança ajuda à continuidade, fortalece quem faz por mudar. Mudar é alterar, é melhorar, é inovar e é sabido que a inovação pode surgir de duas formas, sob uma forma radical ou sob uma forma incremental.

Na forma radical, a inovação é súbita e solitária, é disruptiva e espontânea, surge sem legado, sem ligação ao passado. Do nada, é criado algo que ainda não existia.

Sob a forma incremental, a mudança é estratégica, é parte essencial de uma máquina que usa essa inovação para se ir regenerando. A inovação incremental usa o passado e precisa do passado, é assente nesse legado que um conjunto de indivíduos utiliza um aglomerado de aprendizagens que são usadas para ir evoluindo uma marca.

Parece que nos vinhos ainda não percebemos o lugar do indivíduo e o lugar da marca. Misturamos indivíduos com marcas, pomos até alguns indivíduos acima das marcas. Em Portugal há uma errada veneração da pessoa e no caso dos vinhos, nos últimos anos, a veneração da figura enólogo tem sido perigosamente crescente.

As casas e as marcas deverão durar 100, 200 ou 300 anos… Os enólogos, profissionalmente só duram 30. Uma marca que não se consiga colocar acima do enólogo, corre sérios riscos. É que ninguém é insubstituível e do nada pode surgir alguém que crie uma mudança radical afastando quem não se precaveu, relegando para segundo plano quem pensou que as coisas são imutáveis. Combate-se a mudança radical com mudança incremental. É no processo contínuo de melhoria que se consegue afastar a ameaça súbita, aquela que não sabemos de onde vem.

Noutros países a casa é primeira… As pessoas aparecem depois.

Admitimos todos que a Bairrada em tempos teve inovação radical. Alguns provocaram uma disrupção, houve gente que percebeu como romper com um legado sem futuro e a bairrada mudou. Só que ficou apenas assim, mudada durante 20 anos, suportada na resiliência de dois ou três que se agarraram a uma casta e também às suas convicções individuais. Até que a Bairrada passou a ser moda.

Mas agora é preciso ser mais do que moda, é preciso colocar nomes em segundo plano, é preciso colocar marcas em primeiro plano. É preciso uma espécie de inovação incremental, melhorar processos, rotinas, ideias, conceitos, preparar marcas. É preciso que se prepararem para o mundo. Digo isto porque algumas referências a quem devemos agradecer muito, parecem estar já em quebra. Há referências de outros tempos, vinhos e pessoas, que me parecem não estar preparados para caminhar lado a lado com algo de novo que está a surgir na Bairrada.

Para os menos atentos, fica aqui uma novidade. Há problemas na Bairrada, problemas com vinhas e com vinhos, problemas sérios e dos quais ninguém quer falar. Penso que para alguns, o apogeu já passou e penso também que é preciso reconhecer esse facto. Já não é útil para a região que numa prova de um produtor, oito vinhos sejam médios e um deles seja muito bom. É preciso mais consistência de portefólio. Precisamos largar o saudosismo a referências do passado porque esse saudosismo não é suficiente para aguentar a quebra que está a começar a acontecer.

Sei de alguns exemplos de casas que prepararam a sua continuidade olhando mais para o futuro do que para o passado. Casas que pensaram como poderiam melhorar o que fazem, preparar os seus vinhos para o mundo, vejo o resultado desta evolução incremental começar a criar uma nova imagem nos vinhos Bairrada e também, na Baga. Há gente nova por lá, três ou quatro “jovens” que podem ainda estar mais ou menos abafados pelo legado de referências antigas. Mas esses três ou quatro vão oferecer às casas para as quais trabalham, o futuro dos vinhos daquela região.

O ser humano tem aversão à mudança, é a sua natureza. Na Bairrada é preciso saber largar, é preciso deixar o saudosismo. Saber largar não é desprezar, largar pode ser respeitar. Os que já fizeram tanto, merecem agora confiar noutro, merecem continuidade, porque tão importante legado só pode ser respeitado se não ficar assim, porque se ficar assim vai ser danificado.

Quem já muito fez, vai sempre merecer respeito, mas é devido a esse respeito, que vão também merecer que os comecemos a contradizer em relação a algumas coisas menos boas que já começam a fazer.


Saúde,
Dr. Ribeiro

Créditos da Foto: Associação Rota da Bairrada
Categorias: Artigos de Opinião

Prova

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