Descobrir, semear, resistir e continuar

Meus caros,

No passado dia 16, no meio de grandes vinhos feitos por alguém que gosto bastante de ouvir, fixei algumas ideias importantes.

Já não é a primeira vez que o ouço dizer aquilo que mais ninguém diz. Ele assume o que pode ser desconfortável para o status quo de uma forma corajosa e eu admiro isso.

Certas provas são muito mais do que apenas provas

A vida de quem faz vinhos tem uma componente fantástica. O resultado desta profissão é procurado pelo prazer e não pela necessidade, esse resultado entra na casa das pessoas, chega até à mesa delas.

Mas falar de vinhos e por vezes falar de quem faz vinhos é “horrível”. Falar da profissão, da dedicação e do ganha-pão de outros, é perverso. Mas a paixão fala mais alto e por isso é fundamental ter um método que possibilite falar da forma mais honesta possível. Fico contente porque, por entre “Poeiras”, percebi que o meu método está correcto.

Ouvi de quem sabe, o seguinte: “É ao jantar, é no sossego do jantar que percebo e aprecio um vinho”. Precisava ouvir isto. Fico mais tranquilo.

Para mim, o método é mesmo esse, um vinho e só um vinho, sem sobreposições, sem misturas, sem confusões, sem competições, sem ingerências. Só um vinho.

Mas falou-se de muito mais… E houve ainda um par de ideias que retive e que dão que pensar.

O sítio vs a pessoa

Por entre “Poeiras” ouvi dizer que os vinhos saem dos “sítios” e não das pessoas. Ao que parece, lá por fora isso já é assim entendido há décadas, enquanto por cá se centram as atenções nas pessoas, passando-nos ao lado os sítios de onde os vinhos vêm. A verdade é que as pessoas passam e os sítios ficam e será nesses sítios, que os que estão para vir darão continuidade ao que já foi feito.

Acho que existe uma boa percentagem de verdade neste conceito. Como se diz agora, num bom vinho, a vinha é responsável por 85% do resultado final e a combinação adega-énologo, pelos restantes 15%. Então, será que numa janela de um século, se pode considerar que o sítio é responsável por 85% do nível que os vinhos que dali saem conseguem atingir e os enólogos que por lá passam, ajustam os restantes 15%?

Este tipo de ideia permite explorar mais qualquer coisa sobre os vinhos feitos em Portugal. Ou seja, acho que estamos ainda no início da descoberta de sítios que podem vir a fazer grandes vinhos portugueses, porque o que fazemos bem há 20 anos, os outros fazem há mais de 100.

Fazer bem há apenas 20 anos, significa isso mesmo, significa que só agora começámos a identificar os sítios que vão originar os grandes vinhos portugueses dos próximos 100 anos, porque serão esses sítios que vão durar, não as pessoas.

E se os sítios duram mais que as pessoas, ficamos com a questão da continuidade.

A cruel impossibilidade da continuação mais lógica

Quem está agora a lançar as primeiras pedras, ou “garrafas”, está somente a semear. Se este conceito de sítios, ao invés de pessoas, é para séculos e não para décadas, significa que quem começou há 20 anos está apenas a semear, ainda não teve tempo para mais.

20 anos de bons trabalhos fazem dos vinhos portugueses apenas crianças que começaram a caminhar há muito pouco tempo e nós olhamos para eles como se fossem adultos. Errado!

Conheço alguns pioneiros resilientes que lançaram sementes em sítios ímpares e para os quais, não está ainda definida uma continuidade. As dores de parto são deles, o potencial desses sítios foi identificado e construído por eles, mas a continuidade não dependerá deles. Só na Bairrada consigo lembrar-me de alguns exemplos do que digo, em que a continuidade mais lógica não vai ser o futuro desses sítios, a continuidade terá de vir de fora.

Há quem tenha semeado e não vai fazer a transição, suportou as dores de parto para não ver a criança ficar adulta.

20 ou 30 anos de bom trabalho é muito pouco tempo, as dores de parto ainda são muito visíveis e deve ser por isso que muitas pessoas falam de um cenário negro em torno dos vinhos portugueses, de um presente e de um futuro negros. Provavelmente, no início as coisas são mesmo assim, imprevisíveis, obscuras, negras… Mas depois a criança cresce e o melhor vem a seguir, nos restantes 80 anos. Veremos se com os nossos vinhos também será assim. Veremos se a continuidade é bem conseguida, seja por herença, seja por interesse naquilo que outros começaram.

Quanto a nós consumidores, enquanto os produtores tratam da continuidade, resta-nos ir à procura desses sítios e esquecer referências voláteis que a parte negra do negócio nos tenta impingir. Afinal de contas este canto é tão pequeno, mas tem ainda tanto para ver.


Saúde,
Dr. Ribeiro

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Prova

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