Macrons, Visons e Louboutins
Desfile de vinhos com imprensa
Vinhos com imprensa arrancam sempre de onde outros não conseguem arrancar e os vinhos da Herdade do Freixo são, indubitavelmente, vinhos com imprensa. Estes foram dados à prova na passada quinta-feira, apresentados como estando assentes num processo apontado à elegância e à precisão, vinhos “vítimas” de uma dedicação altamente minuciosa e para os quais não se olha ao preço do melhor material disponível pelo mundo fora. São vinhos saídos de uma das mais bonitas adegas do mundo, vinhos apresentados como vestindo vison e calçando Louboutin.
Efectivamente a maior parte dos vinhos provados não apresentou grandes falhas, mas também, hoje em dia, com o conhecimento existente em torno da produção de vinhos, as grandes falhas do passado já pouco ocorrem. Indo além dessa quase ausência de falhas, vejo nestes vinhos alguns degraus ainda por subir. Os brancos são esquivos de corpo, tirando o Alvarinho e o Reserva, todos os outros brancos são vinhos que nos fogem muito rápido na boca. Nos tintos, o Reserva tinha níveis excessivos de presença de madeira.
Uma coisa é certa, o perfil destes vinhos tem um fio condutor, o qual é fielmente seguido do primeiro ao último vinho. Não é um portefólio em que cada vinho possa falar por si, onde possa haver uma expressão independente e transparente em relação ao ponto da vinha de onde cada um vem. Neste portefólio Herdade do Freixo, como em muitas outras marcas, o método de criação passou por definir um perfil comum, para depois trabalhar cada vinho de forma a que, do primeiro ao último vinho, esse perfil não seja muito desvirtuado.
Outra coisa que vejo como certa é que os vinhos Herdade do Freixo não precisam suscitar curiosidade e pré-ideias nas pessoas que os vão provar. Essa primeira barreira, esses primeiros degraus já foram ultrapassados com a ajuda de toda a imprensa, mais do que uma vez. Outros vinhos de outros produtores, pelo contrário, deparam-se, no início da sua caminhada, com aquela primeira barreira e em alguns casos, por vicissitudes do sítio de onde vêm, essa barreira pode ser bem alta.
O elogio de Macron e os 91 pontos de Robert Par… Desculpem, de Mark Squires
Um dos tintos da Herdade do Freixo, o Family Collection, foi apresentado como tendo sido o vinho de consumo normal de Emmanuel Macron numa determinada fase da sua vida. Ao que parece, este terá afirmado a certa altura, que o vinho que lhe estaria a dar mais prazer era o Herdade do Freixo Family Collection. A produção desse ano esgotou nos dias seguintes a estas declarações. É este o poder dos media e é por isto que vinhos com imprensa acabam sempre por funcionar.
Fonte: https://www.evasoes.pt/beber/47172/
O Family Collection não é um tinto de topo. Um dia poderá vir a ser, mas por agora não é. O senhor Emmanuel Macron precisa provar mais coisas.
Também foram referidos os 91 pontos Robert Parker. Provavelmente vocês já sabem que quem os dá é Mark Squires e não Robert Parker. Querem saber outra coisa? Já ouvi alguns produtores confessarem que esse provador, Mark Squires, numa das tournées de provas e visitas aos produtores, teceu comentários sem sentido com erros crassos pelo meio, motivo pelo qual esses mesmos produtores pouca credibilidade lhe passaram a dar. Pois é, isto existe, isto está a acontecer, mas só chega ao público a parte romântica da coisa… O resto não pode chegar e por isso fica pelo caminho.
A ignorância das massas é bem vinda para vender, mas não é bem vinda para mais nada
Outra posição defendida pelos produtores durante a prova Herdade do Freixo, é de que apenas se podem levar a sério em Portugal, três ou quatro pessoas que falam de vinhos, mais ninguém. Ora, esta discussão é apaixonante e deve ser feita, sempre.
Dizer que nem todas as pessoas podem falar de vinho é altamente questionável. No entanto, no meio desta discussão que eu acho viciante, há uma coisa que é sagrada, estamos a falar do investimento, da profissão e do ordenado de pessoas e das suas famílias. Mas se assumirmos isto como sagrado e respeitarmos este princípio, a partir daí, podemos e devemos falar de vinhos, muito. Por vezes dizer algumas coisas pode ser mau mas não dizer nada é sempre pior.
Falar de vinho faz bem ao vinho, mas, quem fala tem de justificar e só justificando é possível perceber a posição de quem fala. Podemos concordar ou não concordar, mas se as observações forem respeitosas e justificadas, quem fala está no seu direito. Escolheu, pagou, levou para casa e comentou. Ponto.
O problema é que aparentemente é preciso que só três ou quatro gurus falem e os outros, os que bebem notícias e rótulos, devem estar calados e ouvir, apenas ouvir e comprar. Este tipo de produtores precisa de consumidores mal informados para absorver as recomendações desses três ou quatro gurus. Consumidores mal informados dão jeito para levar com a disseminação de notícias e publicidade de vinhos, mas já não servem para falar desses mesmos vinhos caso não gostem. A ignorância do consumidor é útil na absorção das recomendações de gurus, mas já não é útil se essa ignorância se quiser transformar em inconformismo e discussão. Em que ficamos? Só servimos para comprar e ficar calados?
Democracia controlada
Nessa quinta-feira íamos a meio da prova e uma coisa não me saía da cabeça ao ver aqueles vinhos normais desfilarem assim, com casaco de peles e sapato Louboutin: Podes ter todo o dinheiro do mundo, construir a melhor adega, contratar os melhores profissionais, subsidiar o alastramento da marca à custa de poder económico… Mas pode haver alguém a 50km de ti, que na garagem de casa dos avós consegue fazer um vinho melhor que o teu. O vinho é espectacular nisto, até certo ponto consegue ser democrático… Mas depois entra a batota e aí perde-se essa pureza justiceira.
Saúde,
Dr. Ribeiro