Uma garrafeira de 92 mil quilómetros quadrados

Portugal é agora para o consumidor uma garrafeira única, a internet meteu-nos todos a poder comprar vinhos “na mesma rua”, desde Faro até Caminha, passámos a ter uma garrafeira de 92 mil quilómetros quadrados onde podemos googlar qualquer vinho e em 48 horas metê-lo na nossa garrafeira.

Claro que as garrafeiras de proximidade serão sempre as garrafeiras de proximidade, apesar da internet nos permitir comprar à distância, são essas garrafeiras os nós desta rede que cobre esses 92 mil quilómetros quadrados. Mas como em tudo na vida, nem tudo é perfeito, há distâncias que esta “rua” que vai de Faro a Caminha ajudou a encurtar, mas também há distâncias que ainda não conseguiram ser resolvidas.

Antes de falar das vantagens e dos problemas das distâncias que se encurtaram, quero só relembrar o que é o dia-a-dia do consumidor com um interesse honesto na descoberta de vinhos, resumindo, nem todos os vinhos são bons e nem todos os vinhos que são bons, estão bons quando os compramos. É “normal” termos problemas com alguns vinhos pelos quais algumas vezes pagámos bem, nos quais depositámos grandes esperanças.

Considerando que se deve deixar de lado as desilusões de estarmos a comprar um vinho dito de “classe mundial”, mas que depois nos parece um normal vinho português (esse tipo de desilusões faz parte do jogo), são as garrafeiras de proximidade que nos dão alguma solução para vinhos que compramos em mau estado, na maioria das vezes algumas garrafeiras aceitam a reclamação e fazem a troca da garrafa. Claro que para os vinhos que comprámos com a intenção de os abrir meia dúzia de anos depois, ou mais, essa troca não é feita, aí há um risco e esse risco deve ser aceite por nós consumidores. Não que depois não se dê visibilidade do vinho que devia estar bom e afinal não está, até porque pode ter sido caro, ou muito caro, e tinha a obrigação de ter aguentado, e por isso essa visibilidade deve ser dada.

Seja uma compra de um vinho mais velho, seja uma compra de um vinho mais novo, algumas garrafeiras facilitam a troca, mas facilitam-na num consumo imediato à compra.

O problema é que agora, felizmente, temos uma garrafeira de 92 mil quilómetros quadrados, é fácil e possível percorrer o google à procura de um vinho com um preço mais simpático, ou um vinho que não existe perto de nós. No entanto, o problema com a compra de vinhos que até podem ser bons mas não estar bons, persiste, mas agora sem grandes possibilidades de troca, não há garrafeira de proximidade e a garrafa pode ter percorrido 600km até chegar a nossa casa. Nas compras online é preciso um estafeta para nos entregar os vinhos mas também seria preciso um estafeta para nos trocar os vinhos, na maioria dos casos acho que tal processo é praticamente impossível.

Na maioria dos termos e condições que li nas garrafeiras online, não é claro que exista um processo para a troca de uma garrafa em mau estado, em algumas situações pode haver uma troca de garrafas, ou devolução, mas isso tem que ver com a legislação que dá ao consumidor 14 dias para que o faça. Mas e se provarmos o vinho um mês depois da compra?

Parece-me que as enormes vantagens de comprar nesta garrafeira de 92 mil quilómetros quadrados não chegam nem nunca vão chegar para resolver este problema, se alguém compra um vinho defeituoso e o abre passados dois meses, nestes casos, a troca parece ser impossível, fica o consumidor sem o vinho e sem o dinheiro.

A solução para tudo isto é primar pela qualidade. Acidentes acontecem, mas há vinhos à venda que não são acidentes, cabe ao produtor evitar lançar aquilo que não devia ter sido lançado.

Eu posso aceitar que guardei um vinho durante dez anos sem que ele tenha chegado em boa forma ao fim da guarda, faz parte da incapacidade de envelhecimento desse vinho, eu devo aceitar esse risco. Não posso é aceitar comprar vinhos novos que não deviam ter sequer saído do armazém.

Outra forma de resolver este problema é por exemplo, começar a identificar a palavra vendida, saber perceber quando nos estão a tentar vender uma imagem que alguém pagou para que ela nos seja vendida, é importante começar a identificar quem continuadamente diz maravilhas daquilo que não é bom. O país não é isso, está muito longe de ser isso, e quem faz esse papel está a fazer um mal terrível aos bons vinhos, está a colocá-los a todos no mesmo saco, os bons que são bons, ou muito bons, e os menos bons, que depois se escrevem como sendo também muito bons.

Se houver exigência e transparência, se as coisas forem ditas como elas são, pouco a pouco a qualidade vai respondendo à exigência, é um percurso natural. Mas se andarmos a dizer maravilhas de tudo e mais alguma coisa, a esconder com palavras bonitas o que não é bonito, há muitas probabilidades de tudo ficar como está.

A internet encurtou o país e meteu-nos no monitor de casa uma garrafeira de 92 mil quilómetros quadrados, ilhas incluídas, mas a mesma internet faz com que a palavra deixe de ficar local e passe a ser nacional. É preciso primar pela qualidade e é preciso deixar de viver numa ilusão vínica em que tudo é bom.

Estamos num país demasiado pequeno e devido a este curto tamanho, as dinâmicas vínicas são controladas por meia dúzia de pessoas. Já pensaram se tudo ficar como está?

Eu acho que merecemos mais, e devemos fazer por ter melhor.

Cabe ao consumidor interromper esta dinâmica, cabe ao consumidor provar e exigir, cabe ao consumidor ajudar a forçar o aumento do nível qualitativo dos vinhos portugueses. O que está mau, está mau… E o que está bom, está bom. Acho que não é difícil.


Saúde,
Dr. Ribeiro

Categorias: Artigos de Opinião

Prova

Posts Relacionados