Meias verdades sempre, porque a honestidade não dá dinheiro

Caríssimos,

Os últimos dias têm feito passar um artigo pelas redes sociais, no qual um dos críticos de vinhos mais conhecidos da imprensa portuguesa diz: “Há snobismo no mundo dos vinhos”.

Ora… E a novidade onde está?

É que isto é mesmo verdade e sempre foi verdade. É algo tão evidente que não deveria ser colocado como surpreendente ou inesperado.

(só uma nota, o nome O Último Maçon vem de uma alergia que tenho a este snobismo no mundo dos vinhos)

O snobismo é “apenas” um reflexo.

Só agora se percebeu que há snobismo no mundo dos vinhos ou, só agora alguém se lembrou de dizer que há snobismo no mundo dos vinhos?

Obviamente que este conceito de snobismo não é novo, mas o mundo dos vinhos tem a particularidade de o potenciar como poucas áreas da sociedade o conseguem fazer. O snobismo existe há muito mais tempo do que aquilo a que estamos habituados a pensar.

Isto que vemos e sentimos como snobismo é apenas o reflexo de algo que existe na sociedade portuguesa e claro, também em todas as outras sociedades: chama-se classismo.

Não se retira o classismo das sociedades, é impossível. Logo, não se retiram das sociedades certos reflexos ou evidências que vão denotando mais ou menos existência de classismo. O snobismo é apenas um desses reflexos.

Os vinhos tem uma particularidade curiosa, parecem ser uma das portas de entrada para uma pseudo-elite. Neste caso, uma fidalguia que se tenta afirmar como dona e entendedora única desta coisa que deveria ser maravilhosa, chamada vinho.

O “bom” e velho snobismo nos vinhos…

Será que só agora descobrimos o snobismo no mundo dos vinhos? Será que só agora percebemos que as pessoas dizem que beberam determinado rótulo em vez de dizer, como era aquele vinho? Como o perceberam? Como simplesmente lhes soube? Será que só ultimamente as pessoas reduzem a quanto lhes custou, a experiência de descobrir uma garrafa?

Haja paciência… Isto tem anos. O vinho é um mundo paralelo a tantos outros onde vemos uma série de candidatos às poucas vagas existentes no almejado nicho erudito. Nicho esse que depois tem acesso a um portefólio que, quem não é erudito, tem de pagar para ter.

E que canditatos são estes? Dos exemplos que tenho visto são ocos que fazem do vinho um mundo maravilhoso em que tudo é bom e não há defeitos, nem erros, nem enganos, nem crimes.

Para mim, o vinho é duas coisas. É uma série de desilusões e tristezas necessárias à procura daquilo que me arrebata. É também uma ferramenta que torna momentos em família (e também com amigos) inesquecíveis. Momentos que se prendem à minha memória, porque se esses instantes perdurarem, essas pessoas também perduram.

Dizer que se bebeu determinado vinho que custou “muitos” euros, significa que essa pessoa sabe perceber melhor um vinho do que alguém que pagou menos por uma garrafa que até tenha um resultado final superior em qualidade? Só quem pode pagar vinhos caros pode dar a ideia de perceber de vinhos?

Diz a doutrina actual que o vinho português não se vende porque é barato.

Qual o senão desta doutrina? A meu ver ela tem dois problemas, é estúpida e verdadeira. Pode uma doutrina ser estúpida e verdadeira ao mesmo tempo? Creio que sim, creio que é possível, porque é o caso desta.

Dizer que algo muito bom não se vende porque é barato e que, para se vender, tem de se aumentar o preço, é o mesmo que dizer que um futebolista predestinado a grandes feitos e com azar na vida, que jogue numa segunda divisão, não presta e não vale a aposta nele, porque é barato.

Esta “doutrina” é estupida porque é verdadeira, porque efectivamente há quem compre pelo preço. Eu até posso compreender que precisemos de aumentar preço para vender, afinal de contas temos de vender e, se a forma de vender é aumentar preço, então que se aumente. Mas que não se separe a estupidez da medida em si.

Assumir que é preciso aumentar preço para se vender é assumir que o mercado é estúpido e como tal precisamos de uma medida estúpida para promover produto.

Assumir que este é o caminho para as vendas de milhões é desistir de toda e qualquer outra forma de promoção, é ir por um caminho onde se supõe que o consumidor é tão estúpido e tão vaidoso que só compra um vinho por ele ser caro. É assumir que não temos outra forma de chegar ao consumidor, é assumir que somos fracos na promoção.

Meias verdades sempre, porque a honestidade não dá dinheiro

Qual o resultado visível de se dizer que os vinhos deviam subir de preço? Esse resultado não é apenas o vinho “poder começar” a ser vendido. Há um outro resultado associado a este fosso que se defende ser necessário criar. É que certos vinhos vão deixar de ser acessíveis não porque eles tenham no método de produção algo que justifique aquele incremento ao seu preço, mas sim pela simples necessidade de serem caros para serem vendidos. Vamos acentuar a diferença entre aquilo que o vinho efectivamente é e aquilo que ele custa.

Qual é para mim o lado oculto e perverso desta medida? Creio que precisamos partir desta pergunta: Esses vinhos vão ficar disponíveis para quem?

A meu ver, vinhos a partir de determinado preço ficam disponíveis apenas para os snobs, para os críticos, para os jornalistas, para os penduras e para mais ninguém. Porque todos os outros, todos aqueles que efectivamente gostam de perceber um vinho, saberão que existem no mercado outras opções mais baratas e que lhes dão tanto ou mais prazer.

Há snobismo no mundo dos vinhos? Há. Mas a pergunta certa a fazer não é esta.

Vamos subir preços e aproveitar este snobismo para vender? Vamos. Mas a pergunta certa a fazer continua a não ser esta.

Vamos criar mais snobismo nos vinhos? Temo que sim.

Vamos afastar consumidores e vamos tornar o nicho, cada vez mais nicho? Também temo que sim.

Se o caminho for este, o vinho português não vai ser conhecido como um todo, vamos estar a alimentar um nicho de snobs sem mais-valias palpáveis para o conceito de “vinho português”.


Saúde,
Dr. Ribeiro

photo credits: https://www.elvino.com.au/
Categorias: Pólvoras

Prova

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