Quinta das Bágeiras, Garrafeira Tinto 2010
Estive algum tempo à procura das palavras para este vinho… E elas podem vir de qualquer lado, de qualquer situação que faça parte do nosso quotidiano.
Há alguns dias atrás desapareceu o único treinador de futebol que ainda conseguia pôr-me a ouvir falar de futebol. Um Senhor.
“É muito fácil fazer inimigos, basta dizer a verdade”
Há palavras que se dizem sobre os vinhos que podem estragar qualquer relação que exista com quem fez esses vinhos, mesmo que essas palavras sejam verdadeiras, e mesmo que tentemos colocá-las da melhor forma possível. É por isso que o mais importante serão sempre os vinhos e nunca serão as pessoas, é melhor conhecer vinhos e falar de vinhos do que conhecer pessoas e misturar críticas de vinhos com relações e dependências pessoais.
Não participo em nenhum grupo de discussão online sobre vinhos, nunca encontrei aquilo que procuro, aquilo de que preciso, aquilo que faz sentido, mas os cromos dos meus amigos enochatos costumam enviar-me prints de coisas que por aí andam e que eles apanham. Num destes dias enviaram-me uma foto onde alguém dizia mais ou menos isto: “Este vinho é topo, é de um produtor pouco conhecido e ainda bem que é pouco conhecido.”
Falo nisto porque isto existe numa quantidade maior do que se possa pensar, e isso é muito mau sinal. Imagino o contentamento desse produtor por os seus fãs quererem ser poucos e quererem que o seu vinho permaneça conhecido por poucos, isso deve dar-lhe uma satisfação do catano. É como um clube de fãs de uma banda de garagem pouco conhecida, um grupo que se vê a si próprio mega restrito, entendedores acima dos outros, acima do mainstream, puristas da música, mas que quando essa banda fica conhecida, na visão desses fãs, começa a fazer música de merda.
Também há desses puristas nos vinhos, clubes restritos fora do mainstream, que precisam permamecer restritos, entendedores acima dos outros, acima da vulgar dinâmica que todos os produtores têm que ter para ganhar algum dinheiro com a sua profissão, que é fazer e vender os seus vinhos.
Nem oito, nem oitenta. Acreditem que faz algum dano a bajulação de um produtor ou um enólogo em específico, tal qual clube de fãs, apregoando pela net fora que tudo o que dali sai é a melhor coisa do mundo, todos os seus vinhos, todos os anos, e o resto é assim assim… Acreditem que também causa algum dano aqueles que dizem bem de tudo o que é feito por todos, aqueles cuja próxima garrafa a provar está sempre dependente de dar à garrafa actual uma opinião desajustada da realidade, desajustada para cima, sempre por excesso.
Isto tudo para tentar falar deste Garrafeira de 2010 da Quinta das Bágeiras, desculpem lá a introdução.
Efectivamente a Quinta das Bágeiras tem uma grande legião de fãs, e por inegável mérito próprio, algumas coisas que dali saíram merecem ser relevadas, mas não deixa de ser interessante ver que é uma marca que está naquele patamar que mistura o mainstream e o seu portefólio já considerável, com clubes de fãs restritos por aí espalhados… É giro de ver e digo isto sem crítica alguma, são apenas dinâmicas em que reparo e que me interessam. Dito isto, este vinho é talvez dos mais difíceis que me lembro de provar, a carga de taninos é tanta que este vinho não deveria ter sido aberto agora, mesmo tendo passado uma década após a sua colheita, este tinto deixa a boca tal qual nos deixa um diospiro ainda por amadurecer, e isso não nos dá um grande vinho, nem uma grande prova.
Ainda tenho um par destas garrafas, já bebi alguns vinhos desta casa que passados vinte anos, ou mais até, ainda estão bem duros, bem irreverentes, cheios de atitude e de uma boa dose de tipicidade, com cojunto pautado pelo nervo e pela natureza dos taninos, mas alguns vinhos acabam por atingir a harmonia que lhes pedimos, mesmo com toda essa dureza ainda bem visível, mesmo tendo demorado, alguns vinhos chegaram lá… E isso dá sempre uma grande prova e uma prova rara.
Não sei se este par de garrafas de 2010 que ainda tenho irá nessa direcção, é difícil tentar antever aquilo que este vinho vai ser no final de mais dez anos de espera, ou mais, mas uma coisa é certa, hoje ainda não é o tempo dele.
É um bom vinho, promete, tirando um ou outro apontamento no nariz, parece que os dez anos que ele tem não são dez anos, mas não é agradável a forma como esta carga tânica nos deixa a boca, e isso é um impedimento forte quando se procura harmonia de conjunto naquilo que temos no copo.
Em 2030 tiro as dúvidas.
Aroma já com tons balsâmicos e até um pouco para lá do balsâmico, algo que nos deixa na dúvida sobre para onde ele ainda vai, fruta passa, ameixa seca, flores silvestres em intensidade suave mas ainda sentidas, fundo com toques de chá preto, café, cacau e madeira seca. Corpo amplo com uma boa acidez a ajudar a alargar este vinho em boca, centro de boca médio, tudo muito áspero e em intensidade exagerada, aspereza acima de tudo o resto e consequentemente desligada de tudo o resto, centro com alguma leveza e fluidez, periferia absolutamente áspera como diospiro verde, harmonia prejudicada. Acidez muito boa, taninos exagerados, acima de tudo e desligados de tudo.
Ficha Técnica 2010: indisponível
Vinhos Quinta das Bágeiras: https://www.quintadasbageiras.pt/vinhos.html
Saúde,
Dr. Ribeiro
Prova
- Aroma - 7.75/107.8/10
- Corpo - 6.25/106.3/10
- Acidez, Taninos, Final - 6.25/106.3/10
- Análise Geral - 6.5/106.5/10
Suporte para avaliação
10 – Magnífico
9 – Excelente
8 – Muito Bom
7 – Acima da Média
6 – Bom
5 – Razoável
4 – Aceitável
3 – Básico
Parece-me muito bom o comentário. Encapsulação perfeita do problema de provar um vinho antes do seu tempo para uma pessoa consciente!