A vida às vezes dá voltas giras. Esta história deu uma volta de vinte anos.

Os primeiros vinhos que provei deste produtor fiz questão de o fazer sem me acusar. Dizer o que se vê num vinho sem viés ou medos é a forma mais honesta de eu mostrar o que verdadeiramente está em causa. Não ter uma cara associada quando se tenta falar sobre o resultado do trabalho de alguém é mostrar a esse alguém que apenas o resultado importa, o vinho.

Por vezes é terrível falar do esforço e da dedicação de outros e se nessas alturas a mão não treme, é porque há uma enorme inconsciência ou então as intenções são todas menos fazer isto de forma justa. Às vezes a mão tem mesmo de tremer, mas nem por isso se pode ficar calado.

Eu conheço este produtor e ele conhece-me também, há vinte anos atrás ele tentava explicar-me como se joga futebol e para ser sincero eu não me lembro se fazia muito do que ele me pedia. Apesar de ser giro tanto tempo depois poder provar e falar sobre os vinhos dele, não será tudo o que está para trás que irá tornar isto mais do que uma prova de um vinho branco.

Esta garrafa foi-me entregue há oito meses atrás numa apresentação “oficiosa” deste vinho, penso que aí o produtor quis começar a sentir o pulso do consumidor, tanto para este Bical como para o Baga de que falarei a seguir. Foi bom ter tido algumas trocas de ideias sobre este Bical porque agora nesta prova algumas coisas fizeram efectivamente sentido.

Um dos pormenores que fixei foi que este vinho foi vinificado com 100% de engaço, tipicamente a casta Bical não nos mostraria alguns apontadores aromáticos que este vinho apresenta, mas eles estão lá. Sentem-se algumas notas herbáceas e vegetais neste vinho e isso fez-me lembrar automaticamente essa troca de ideias de há oito meses.

O que salta à vista neste branco é a vontade e o atrevimento de quem quer fazer um Bairrada Clássico. Numa altura em que se idolatram vinhos magros e limitados, refugiados num processo de pseudo-intervenção mínima que dizem terminar em algo que realça a pureza da fruta, algo leve, elegante e sem madeira, numa altura destas, fazer um vinho que nos vai dar complexidade e detalhes mais carregados que os demais, é de certa forma um atrevimento.

Este vinho pode ser resumido assim, é uma ousadia que quis resultar em algo complexo, é uma intenção de mostrar carga em certos detalhes, sem receios, afinal, são “apenas” algumas centenas de garrafas que pedem de nós capacidade de perceber as ideias que ali foram colocadas.

Aconselho a decantar este vinho mas também aconselho a que lhe dêem mais um par de anos, deixem-no puxar tons mais melados. Ainda assim, o aroma na temperatura certa e depois de respirar, depois de se ajustar na decantação, fica soberbo. O corpo mostra mais moderação que o aroma, mas com conjunto cremoso e totalmente polido, não tem um único atributo com presença deslocada de tudo o resto, a harmonia é facilmente conseguida e exibida.

Parte da vinificação deu a este Bical uma complexidade e um temperamento muito próprio, fundamentalmente exibido ao nariz. O estágio típico de um Bairrada Clássico deu ao corpo um polimento encantador.

Aroma rico e com alguma profundidade, fruta exótica madura escondida por uma intensa mistura de flores brancas com tons vegetais e herbáceos, nuances de geleia real, fundo com tons resinados e tostados. Corpo cremoso, praticamente cheio e a conseguir conjugar leveza com firmeza de estrutura, tudo muito polido, tudo muito homogéneo, sem esquinas, sem erros, tons herbáceos também em boca, nada destoa. Acidez fina e absolutamente enquadrada no conjunto, persistência final boa, sempre muito correcta, sempre pautada por essa cremosidade em boca.

Castas: 100% Bical

Vinhos Pedro Guilherme Andrade: http://pga.wine/

Saúde,
Dr. Ribeiro